Carta do Prior Geral por ocasião da Festa de Nossa Senhora do Carmo
Irmãos e irmãs da Família Carmelitana, ao aproximar-se a Solenidade de Nossa Senhora do Carmo, nossos corações se enchem de alegria. Queremos celebrar e render graças a Deus por tudo o que a Virgem do Carmo significa para nós. Em particular, queremos agradecer a Deus e à Virgem porque o medo que tínhamos do Covid 19, ano passado, por este tempo, diminuiu e a vida de muitos está voltando a uma certa normalidade. Ao mesmo tempo, continuamos pedindo a proteção da Virgem para nós e para o mundo.
Neste ano fomos abençoados com a canonização de São Tito Brandsma. Quem poderá esquecer aqueles dias de alegria e felicidade em Roma, e aquele momento na Praça de São Pedro no qual, junto a outros nove discípulos de Cristo, nosso irmão Tito foi declarado santo?
Lamentavelmente, este ano também tem sido marcado pela invasão da Ucrânia por parte das forças russas, o que se soma a tantos outros males que causam muito sofrimento a pessoas inocentes em todo o mundo. Pensemos nos numerosos deslocados, sem lar, que vivem nos campos de refugiados, muitos deles mulheres e crianças. Apesar disso, os homens continuam sendo forçados a lutar em conflitos que não desejaram.
A celebração de Nossa Senhora do Monte Carmelo e o exemplo e inspiração de São Tito Brandsma nos convidam a refletir sobre o dom do Carmelo, tal como viveu o nosso novo santo. Podemos ver que o Carmelo nos oferece a motivação mais profunda para trabalhar pela paz. Podemos contemplar e fazer nosso o desejo de Deus pela paz e pela total dignidade da pessoa humana.
Enquanto Maria estava ao pé da cruz, junto com João, o discípulo amado, e as demais mulheres, Jesus criou neste momento um novo tipo de família humana, construída não sobre laços de sangue, mas sim baseada em pessoas que cuidam umas das outras. Agora é o filho que acolhe a mãe em sua casa. As coisas mudaram. O sonho e o projeto é que os filhos e filhas venham ao mundo e, à medida que cresçam, o façam com a capacidade de cuidar de tudo o que existe para transmiti-lo aos filhos e filhas que virão depois.
Tanto o coronavírus como a acolhida dos refugiados do conflito da Ucrânia nos tem dado, em muitos casos, novos exemplos de como as pessoas cuidam umas das outras, especialmente em tempos de profundo sofrimento. Enquanto observávamos as precauções em torno do coronavírus, sabíamos que estávamos nos protegendo. Quando aceitamos restringir o contato social, o fizemos para ajudar a deter a propagação do vírus, algo que agora, graças a Deus, parece estar ao nosso alcance. Apesar disso, chegou às nossas portas o fluxo de refugiados procedentes do conflito na Ucrânia. Em toda a Europa houve uma atitude de acolhida que nos surpreendeu. Governos e cidadãos particulares abriram seus escritórios e casas familiares para acolher pessoas que se viram, num momento, na necessidade de abandonar seus lares e meios de subsistência para buscarem refúgio de um ataque que caía dos céus.
O Monte Carmelo representa para nós um lugar de encontro místico e fraterno, onde os irmãos alcançaram um conhecimento mais profundo de Deus e dos demais através de sua vida de solidão e de comunidade, meditando dia e noite a lei do Senhor. Este é também nosso caminho. Sob o amparo da Santíssima Virgem Maria, em obséquio de Jesus Cristo, por meio de nossa solidão e junto a nossos irmãos, construímos uma cultura de paz para assim dar à luz uma palavra de paz para o mundo.
Cada semana, na liturgia das horas, repetimos o cântico de Isaías (Is 2,2-5), que fala da montanha da paz.
Acontecerá, nos últimos tempos,
que o monte da casa do Senhor estará firmemente estabelecido
no ponto mais alto das montanhas e dominará as colinas.
A montanha mais alta é a mais digna de honra. Se tivesse voz, sua voz seria a que mais escutaríamos. Em meio a muitas vozes que nos dizem o que deve acontecer no mundo, prestamos atenção, na oração, à voz que fala de verdade, transparência e amor, uma voz e uma visão que estão acima de todas as demais visões, especialmente as que se baseiam na preservação dos interesses de uns poucos, enquanto milhões de pessoas passam fome, não têm lar, foram deslocadas.
A ele acorrerão todas as nações, para lá irão numerosos povos e dirão: “Vamos subir ao monte do Senhor, à casa do Deus de Jacó, para que ele nos mostre seus caminhos e nos ensine a cumprir seus preceitos”;
A montanha está ao alcance de todos, porém precisa-se de pessoas que mostrem o caminho. Aqui compreendemos a tarefa de nos ajudarmos e convidarmos uns aos outros a buscar os caminhos do Senhor, o caminho mais elevado, o que respeita a plena dignidade da pessoa humana, e o que escuta o grito de cada um dos filhos.
Porque de Sião provém a lei e de Jerusalém, a palavra do Senhor.
O Monte Sião e Jerusalém, a cidade construída no alto, à qual o povo sobe cantando suas canções, se converteu hoje num lugar de conflito. Continuam sendo, para os crentes, a representação do compromisso e da proximidade de Deus com o seu povo, através de um povo e um lugar escolhidos. É em Jerusalém onde Deus estabelecerá a paz para seu povo. “A paz sobre Jerusalém” (Sl 122).
Ele há de julgar as nações e arguir numerosos povos;
Onde estão hoje os líderes que falam sobre o juízo justo, que olham para a sabedoria superior de Deus, para assim encontrarem a sabedoria que resolva os conflitos e sinalizarem o caminho que leve a paz e ao bem-estar de todos? O juízo deve estar baseado na verdade e na sabedoria. Nossa sabedoria vem da Palavra da Sabedoria. Nós a encontramos em Maria e nos santos do Carmelo. É a sabedoria pela qual somos capazes de julgar tudo o que vemos ao nosso redor.
Nesse juízo vemos a obra da salvação e acrescentamos o nosso sim e a nossa colaboração na obra de Deus.
estes transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices:
não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate.
Não é isto o que gostaríamos de ver? Durante meus anos no Peru, costumava ver as crianças desfilarem na praça pública no Dia da Independência, com fuzis e metralhadoras de brinquedo nas mãos. Nessa tenra idade se lhes ensinava que uma arma de destruição era mais importante, como forma de defender a nação, que um instrumento de trabalho honrado: uma caneta, uma pá, umas agulhas de costura, um crucifixo. A imagem que temos de Tito Brandsma é a de um pacificador, no meio dos seus livros, com caneta ou cachimbo na mão, em profunda conversa com colegas, confrades carmelitas, estudantes. Para ele, o jornal era uma forma de defender a verdade e a liberdade de toda pessoa humana.
Tito Brandsma buscava a motivação mais profunda em tudo o que fazia e esperava. Via os carmelitas como pessoas portadoras da Palavra, à semelhança de Maria, que era portadora da Palavra. Essa Palavra é paz. Aqueles que recebem essa palavra e a apreciam são pessoas que podem levá-la ao mundo e fazer que ela nasça no mundo. Em suas notas para um retiro, Tito sugere que “de Maria devemos aprender a tirar de nossos corações tudo o que não pertence a Deus. Dela podemos aprender a abrir nossos corações a Deus de maneira que se encham de sua graça. Então Jesus entrará, nascerá de novo em nós e crescerá em nós; se fará visível nas coisas que fazemos e viverá em nós. Quanto menos cheios estivermos de Deus, mais pobre será nossa vida. Com Maria, cheia de graça, viveremos a vida de Deus e encontraremos em nossa união com o Senhor nossa própria glória e salvação”.
No Monte Carmelo, nossos fundadores idearam um modo de vida que era uma fórmula de paz, como resposta às forças armadas que lhes impediam de entrar na Cidade Santa, Jerusalém. Maria estava no centro desse plano de paz. Não recorreram ao conflito armado, mas puseram sobre si armadura de Deus.
Do mesmo modo que São Tito rezou para que um dia a Alemanha e os Países Baixos caminhassem juntos pelo caminho da paz, minha oração para todos nós, ao nos aproximar da Solenidade de Nossa Senhora do Monte Carmelo, é que aprendamos realmente os caminhos da paz desde a mais tenra infância até o final de nossos dias, e, junto com o profeta, digo:
Vinde, todos da casa de Jacó, e deixemo-nos guiar pela luz do Senhor.
Que os carmelitas de todo o mundo cumpram sua vocação de ser portadores da Palavra, e que essa Palavra seja realmente a Palavra que é a Paz.
Fraternalmente, Míceál O’Neill, O. Carm. Prior Geral